Paz Perpétua ou Tribunal do Mundo: a aporia jusnaturalista da saída do estado de natureza inter-estatal
Abstract
Após uma caracterização sucinta dos dois conceitos emblemáticos de “paz perpétua” (Kant) e “tribunal do mundo” (Hegel), que remetem a duas respostas diferentes à questão da coexistência de uma pluralidade de Estados soberanos no quadro do “Direito das Gentes” e à da aporia jusnaturalista da saída do estado de natureza inter-estatal (Introdução), apresenta-se a reconstrução kantiana dessa aporia e a sua resolução. Esta se dá mediante uma dedução transcendental da ideia de “sumo bem político,” a paz perpétua entre os povos, que, enquanto “fim último” político-jurídico, atua como um dever moral e político para os indivíduos e Estados, a ser efetivado na história mediante a implementação progressiva de uma federação de povos e de Estados pacíficos que se opõem à guerra (1). Analisa-se, em seguida, o conceito especulativo de soberania estatal e suas raízes lógicas, e mostra-se como a soberania interna, enquanto autorelação negativa e infinita a si do todo ético, isto é, do povo organizado constitucionalmente, é o núcleo e o fundamento da derivação ontológica e normativa da pluralidade de Estados. (2) A relação recíproca entre os Estados (sua soberania externa) desdobra e manifesta essa negatividade da soberania interna, de sorte que, se os direitos e deveres pactuados entre si pelas soberanias estatais particulares devem sem respeitados pela exigência do reconhecimento recíproco, eles não adquirem a efetividade de uma vontade universal, constituída como “potência” (Macht) e “poder imperativo” (Gewalt) acima delas. Por isso, Hegel compreende a guerra não apenas como uma contingência exterior, mas como pertencendo à própria relação entre Estados soberanos, que permanecem em estado de natureza, de sorte que a guerra permanece a forma última da resolução dos diferendos entre eles. (3) A resposta de Hegel a este agravamento da antinomia jusnaturalista consiste no prolongamento e na ampliação da metáfora kantiana do tribunal crítico da razão para o domínio jurídico-político da história mundial, concebendo uma razão processual que nela atua como uma unidade inseparável de instância judicante e processo de julgamento (como “espírito universal” e “tribunal do mundo”). Essa razão ampliada, que se constitui num e por um processo normativo dotado de poder imanente, Hegel a concebe como o fazer-se a si mesmo do espírito na história enquanto efetivação do “fim último do mundo,” que é o conhecimento da sua essência enquanto vontade livre. Assim, a tentativa hegeliana de resolver a aporia jusnaturalista substitui o normativismo kantiano da ideia reguladora de paz perpétua por uma concepção dialética de razão processual, que é unidade dialética de aplicação e invenção da norma, e que atua na história mundial na forma da ampliação da consciência da liberdade e do aperfeiçoamento das instituições que favorecem o reconhecimento recíproco e a universalização da liberdade. (4)